É consenso entre todos que conhece Maria Alcântara da Cruz Rosa, ela é uma pessoa gentil, dócil e com um enorme senso de solidariedade.  Ela trata todos com carinho, preocupação e consideração. Nos pequenos gestos sempre demonstra um sorriso, oferece um abraço de conforto e uma mão amiga. Apesar das várias situações de racismo que viveu e, que detalha no texto abaixo, ele não deixou o coração endurecer. Alcântara, como é mais conhecida, nasceu em Timóteo em 15 de março de 1964. Filha de José Geraldo da Cruz e Zélia Alcântara da Cruz. Ela tem cinco irmãos. Atualmente é casada com Wilson Rosa Pinto e tem um filho chamado Mateus Alcântara Pinto.

Infância – Ela considera que sua primeira infância foi tranquila, porém dentro das nossas condições de uma família pobre.  Fez a primeira série do Ensino Fundamental em Timóteo, na Escola Estadual Tenente José Luciano, e se recorda com muito carinho das professoras Guiomar, que lhe ensinou a ler e da Aparecida, que era negra igual a ela.  “Às vezes passamos a nossa infância toda sem dizer essas coisas, mas eu achava o máximo ter uma professora negra igual a mim”, diz.

Como toda mulher preta, ela guarda as recordações tristes de racismo que viveu no ambiente escolar, principalmente nas primeiras séries. “Eu fui muito discriminada, pela cor da pele, sou negra retinta, e pelo meu cabelo crespíssimo. Naquela época, nem a família e nem a escola não nos ensinaram a lidar com a discriminação racial e eu sabia expressar o que eu sentia, por isso eu me calava. Além dos coleguinhas, também sentia a discriminação de alguns professores”, conta.

Como era a sua primeira escola e sua primeira experiência sem a presença dos pais, ela sofreu um pouco para se adaptar e chorava para não ir. “Me lembro que meu tio me levava de bicicleta, até chegar lá, estava tudo bem, na hora que ele me descia da bicicleta, eu chorava e queria voltar para casa com ele. Por causa desse choro, tinha uma professora que me tratava muito mal e me lembro até hoje do sofrimento que foi passar por essa adaptação”, comenta.

Alcântara relata ainda que toda essa discriminação que sofreu na escola refletiu na sua vida adulta. “Eu me esconde como um caramujo que ficava dentro da sua casinha para não sofrer a discriminação. E me lembro muito bem. Até a questão de sentar no banco de trás era uma forma de me proteger. Até hoje, me retraio em muitas situações e penso que muitos lugares não são para mim”, completa.

Ela se recorda que seu pai sempre trabalhou numa Siderúrgica chamada Acesita. Essa empresa concedia casas aos funcionários. “Depois de adulta consciente, percebi a discriminação a gente vivia lá. Pelo meu pai ter pouco estudo e ocupar um cargo mais simples, a empresa nos colocava em casas em bairros sem nenhuma estrutura, não tinha nem esgoto. Mas para os outros funcionários, as casas eram em bairros com toda a estrutura”, explica.

Estudos –  No pré-primário Alcântara estudou na Escolinha dos Angicos; Da primeira à quarta série, estudou na Escola Estadual Tenente José Luciano, que foi de 1971 a 1975. Em seguida se transferiu para o Polivalente onde estudou de 1976 a 1979 e fez de quinta e a oitava série. De 1980 a 1983, fez o Ensino Médio, que na época se chamava Segundo Grau, na Escola Estadual Alberto Geovanine, onde fez o Magistério.

Mesmo ainda morando em Timóteo, ingressou na Faculdade em 1990 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Fafic) em Caratinga, onde se formou em História em até 1993. Começou a estudar história, com o sonho de passar para Geografia no ano seguinte, mas nunca realizou esse sonho. Teve que abdicar do seu sonho, pois não poderia abrir não do curso uma vez que já estava no meio dele, e não poderia começar tudo novamente, pois ajudava financeiramente nas contas da família, por ser a irmã mais velha. “Apesar de formada em história desde 1993, nunca atuei na área, não gostava do curso. Havia um professor racista e que pegava no meu pé. Não aconselha ninguém a fazer um curso que não gosta, porque isso marca a pessoa para o resto da vida”

Casamento – Alcântara se casou em 7 de agosto de 1993 com Wilson Rosa Pinto, que é da cidade de João Monlevade. Depois de casada ainda ficou um ano morando em Timóteo esperando ser dispensada do trabalho, nessa época seu marido trabalhava numa empreiteira na Petrobras, em Belo Horizonte. Quando veio para Belo Horizonte, passou num concurso para a Prefeitura de Belo Horizonte em 1994 e foi chamada em 1995, onde ficou até 2018, quando se aposentou.

Em 2 de agosto de 1996, nasceu seu filho, Mateus Alcântara Pinto, que hoje tem 28 anos. “Meu filho, é meu tudo, é o amor da minha vida, é tudo. Agradeço a Deus todos os dias pelo filho que ele me deu, é um presente, só Deus para saber o quanto é maravilhoso”, explica.  Ela faz questão de passar para o filho amar e ter orgulho da cor negra. Ensina também que ele deve ser uma pessoa de respeito, digna, e de caráter. “Ele é uma pessoa que anda de cabeça erguida, espero que ele possa constituir uma família e passar esses conceitos também para a família”, completa.

Ações –  Participou de um grupo de consciência negra, que te ensinou a se enxergar melhor e gostar de si mesma. “Quando a gente passa por discriminação, a gente sonha em ser branca para não sofrer, para ter direitos que os brancos têm”, salienta. Quando trabalhava no Posto de Saúde da Prefeitura, criou um grupo e ensinava cursos artesanais e organizava passeios e excursões para pessoas idosas que estavam com depressão. “Sei que esse grupo pode ser comparado a uma gotinha no oceano, mas gosto de lembrar que fez a diferença na vida das pessoas”, diz, Por 22 anos, morou no bairro Morro Alto, em Vespasiano, onde atuou na catequese da Igreja Católica.  

Atualmente, está aposentada com 60 anos, gosta de participar de tudo que for para o crescimento de alguém. Trabalha com o Café Voluntário, uma ação que entrega café para moradores de rua todas as manhãs de domingo.  “Hoje, eu gostaria de estar participando de ações maiores. Não para elevar meu ego, de jeito algum, mas que eu pudesse fazer diferença na vida de mais e mais pessoas, isso me faz um bem enorme”, comenta.

Morte do pai – O pai de Alcântara morreu em 2019, quando ele tinha 86 anos. “Ele era o meu porto seguro. Sofri demais com o falecimento dele, mas ao mesmo tempo agradeci muito a Deus poder ter podido conviver com ele há bastante tempo.”, diz.  Seu pai sempre foi muito trabalhador, era um pai presente, sempre muito honesto, consciente, de muito caráter.   Para compensar a ausência do pai, ela aproveita que sua mãe hoje também é idosa, mas muito ativa. “Estamos sempre fazendo coisas juntas. Ela é muito batalhadora, guerreira, criou seis filhos lavando roupa de outras pessoas, fazendo o que podia para ajudar em casa”, orgulha-se.