Apaixonada por seu ofício, Lóide Gonçalves Caetano é uma daquelas artesãs dinâmicas que possui uma habilidade nas mães para produzir peças que as pessoas amam e por meio do seu artesanato estimula novas sensações nas pessoas, além de fazer um trabalho de conscientização negra. Também gosta muito de cuidar de seus animais, tem alguns gatos e ama estar perto deles. E o mais importante de tudo, ressignificou o seu nome, que por ser diferente foi motivo de muito bullying na infância.
Lóide Gonçalves Caetano, nasceu no dia 31 de março de 1965, em Contagem, cidade mineira que fica localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Filha do casal José Luiz Caetano e Neuza Gonçalves Caetano, que juntos tiveram oito filhos. Tem sete irmãos, Abigail, Luiz, Damaris, Hercília, Silas, Daniel e Josué. Morava numa casa com um quintal muito grande, que parecia até um jardim de infância, devido à quantidade de brinquedos que tinha no local, todos eles brinquedos eram fabricados pelo pai de Lóide. “Minha primeira infância foi muito boa e com pais muito positivos. Minha mãe foi excelente conosco e o pai era mais severo, contudo tinha o coração enorme”, explica com carinho.
Estudou da Primeira Série do Ensino Fundamental até o final do Ensino Médio na Escola Municipal Mestre Ataíde, na mesma cidade onde nasceu e morava. Aprendeu a ler com a professora Sibele. “Ótima professora”, diz Lóide. Era a única docente negra da Escola, além dela somente a profissional que trabalhava na secretária também tinha essas características. Essas duas passaram a ser as referências para a menina.
Considera sua vida de estudante como boa. “Eu era participativa, gostava muito de teatro, apesar de ser muito tímida, tinha facilidade imensa de decorar textos”, lembra. Também considera que conseguiu interagir bem durante sua vida estudantil, contudo tinha poucas e sinceras amizades.
Após se formar no Ensino Médio e fez o curso Técnico de Enfermagem, profissão que atuou por 25 anos e se aposentou.
O Nome – Por ter um nome diferente, Lóide sofreu bullying, não só na Escola, mas também em todos os ambientes que frequentava. Eram diversos comportamentos como insultos, intimidações, agressões verbais, ridicularização e exclusão. Entre os vários apelidos pejorativos e trocadilhos, quase ninguém lhe chamava pelo nome certo, até mesmo pessoas da família e que moravam dentro de sua casa pronunciavam seu nome errado.
Quando era criança, pensava que havia algo de errado com o meu nome, que fazia com que muitas pessoas gostassem de me ridicularizar e excluir. “Eu sempre fui um alvo fácil para as pessoas gozarem por causa do meu nome. Era muito difícil e me magoava bastante”, comenta. Naquela época, ela não entendia o que era bullying e por muito tempo, não sabia como se defender
Uma vez chegou perto da mãe chorando e falou para ela que iria mudar de nome quando fizesse 18 anos. Sua mãe ficou muito chateada e disse que foi ela que escolheu esse nome, dentre vários outros. E mais, sua mãe lhe explicou que Lóide é um bíblico, que significa educadora. Na tradição cristã, Lóide é conhecida como a avó de Timóteo e considerada educadora dele, tendo um papel crucial especialmente, na educação religiosa dele, influenciando-o com ensinamentos bíblicos desde a infância, preparando-o para um papel importante na igreja primitiva como colaborador do apóstolo Paulo.
Lóide é lembrada também por sua fé sincera e pelo impacto que teve na vida de seu neto. Ela desempenhou um papel fundamental na vida religiosa de seu neto, transmitindo-lhe a fé que o acompanharia em sua jornada como líder cristão. Ela é uma figura tão importante que é até citada na Segunda Carta de Paulo a Timóteo, capítulo 1, versículo 5. A passagem específica é: “Lembro-me da sua fé sincera, como era a de sua avó, Lóide, e de sua mãe, Eunice, e sei que em você essa mesma fé continua firme”.
Com o conhecimento que adquiriu, ela passou a gostar desse nome e sua dor se transformou em auto estima. A partir de então, toda vez que alguém faz uma brincadeira maldosa, ela ensina o significado dele. “Lóide não é apenas um nome, é a minha identidade, agora sempre corrijo, até quando alguém fala errado. E ainda ensino a pronunciá-lo corretamente com o acento no Ó”, ressalta. E se alguém fizer piadinhas, ela corta imediatamente e diz que não permite que a pessoa a chame assim. “Não fico triste mais, até porque já aprendi a me posicionar e exigir a respeito”, completa.
Lóide Bonecas – O orgulho do nome é tão grande, que ela resolveu colocá-lo em sua marca de artesanato, que se chama Lóide Bonecas. “Aprendi fazer bonecas há muitos anos, mas não consegui me dedicar a esse ofício, quando trabalhava na área da enfermagem. Depois que me aposentei, comecei a fazer bonecas de artesanato e gosto muito”, conta.
Escolheu fazer bonecas de pano negras. Talvez seja porque não se esquece da primeira boneca que teve quando era criança, feita por sua mãe. “Era magrinha, tinha a pele um pouco amarronzada e o cabelo de lã pretinho, era muito bonitinha”, descreve. A artesã se lembrou e se inspirou nesse momento.
Foi uma das primeiras a desenvolver essa arte em Belo Horizonte. “Quando comecei quase não existiam bonecas negras no mercado. Era muito raro encontrar uma boneca com o cabelo crespo, de lacinho ou corpo colorido”, explica.
Segundo ela, bonecas pretas auxiliam no combate ao racismo ao promoverem representatividade, autoestima e identidade positiva entre crianças negras, além de educarem sobre diversidade e combater estereótipos. Ao se verem representadas em brinquedos, as crianças negras desenvolvem um senso de pertencimento e autoestima, quebrando o ciclo de inferioridade muitas vezes imposto pelo racismo.
Além de serem um símbolo de representatividade, as bonecas negras impulsionam o debate sobre por que oferecer brinquedos mais diversos desde cedo. As bonecas são figuras de afeto importantes no imaginário infantil, mas do que estimulo a imaginação e criatividade quando brincam com suas filhas e filhos, as crianças aprendem a cuidar. “Historicamente as crianças negras brincavam de cuidar de corpos brancos e o contrário não acontecia, por isso, entendo que meu público é diverso, todas as crianças devem brincar com bonecas pretas, tanto crianças negras, como também pardas e brancas”, profere.
A Artesã ressalta ainda que com diversidade, as crianças vão aprendendo que todo mundo merece o mesmo tratamento. “Ao brincarem com bonecas ‘diversas’, as crianças simbolicamente estendem essa atenção e cuidado para todas e todos”.
Filha – Atualmente, Lóide é solteira e tem uma filha, chamada Alice Gonçalves, que ela considera um presente de Deus em sua vida. “É uma menina maravilhosa, muito estudiosa, é uma violinista, formada pela UEMG, muito responsável, dedicada, amorosa. Ela é tudo de bom pra mim. Abaixo de Deus, minha filha salvou a minha vida”, garante.
Lóide faz essa afirmação porque houve um tempo em que ela sentia cansaço, febre baixa e sem uma causa aparente, dor nas articulações e de cabeça e perda de peso sem uma explicação, queda de cabelo e tinha manchas avermelhadas na pele. Sem tempo para refletir o que sentia, ela tomava um analgésico entre uma dor e outra e seguia sua vida sem procurar um médico ou fazer um check-up. E teria seguido assim, se não tivesse ficado grávida e precisado fazer o pré-natal. Durante os exames obrigatórios desse período descobriu que tinha lúpus. “O médico me disse que eu teria grandes chances de morrer, se não tivesse começado o tratamento naquele período. Foi nesse instante que entendi que minha filha salvou minha vida”, conclui.